
Por razões diversas, você nunca fez parte efetiva da minha
vida. Desde que minha mae o magoou, qdo eu tinha cerca de 5 anos, vc achou que a
forma mais adequada de lidar com isso era se afastando, de todas nós. Embora
tenhamos tido algumas breves aproximaçoes, elas sempre eram recheadas de
dificuldades de comunicaçao. Vc queria q eu tomasse partido, e eu nao gostava de
ouvir criticas a minha mae…alias, nao gostava tambem de ouvir ela falar qq coisa
a seu respeito. Os pais de filhos separados deveriam ter a sensibilidade de
calarem suas bocas em qq comentario referente ao ex, lembrando q este ex é um
ser parmanente na arvore genealogica do filho – mas nem vc nem minha mae tiveram
este bom senso…sempre vinham falar de suas vidas e traziam comentarios a
respeito do qto o outro havia sido ‘desagradavel’ ou ‘infringido sofrimento’ a
cada um de vcs…eu nem aí pra isso…de verdade, se vcs nao souberam escolher
adequadamente seus pares, o problema era de vcs…minha pergunta aqui nao era quem
falhou como marido ou mulher…mas quem falhava como pai ou mae, e apesar de nunca
ter reclamado para minha mae qdo ela fazia os comentarios da vida dela com vc…e
também abmina-los, ela era uma mae presente, que fez o que podia e nao podia
para suprir o papel do pai ausente tambem. Já vc, vc abriu mao da sua relaçao
comigo…já q eu nao conseguia compactuar de qq critica.
Tenho raiva dos dois qdo penso nestes momentos. Sim, era
irritante pra mim saber q vc nao pagava a pensao alimenticia, mas nao queria q
isso tivesse vindo pra minha mesa…nao queria q isso influenciasse o q eu achava
de vc naquela idade, queria q alguem tivesse tido o cuidado de preservar a
imagem de pai durante o tempo em que nós dois amadureciamos…para O MEU BEM, para que eu nao crescesse pensando que vc nao me amava ou nao importava comigo...nao
para o seu bem…mas isso nao foi feito. Cresci achando vc o errado, vc o do mal, e
minha mae a coitada, a sacrificada. Dificil para uma criança que tem q lidar com
dualidades enxergar as nuances. Nao há nuances até q vc cresça, até q ganhe sua
propria perspectiva e melhor ainda, até que tenha seus proprios filhos – estes
sim, os balizadores de qual seria o comportamento mais adequado frente a qq
atitude de ambos os lados, em vistas de preserva-los, de deixa-los crescer bem,
podendo fazer seus proprios julgamentos da imperfeiçao humana depois de adultos.
Diante disso, culpo vc – mas culpo tambem a mim e a toda minha
familia materna, pela nossa distancia- pois na minha necessidade de assegurar
meu porto seguro, nunca tive incentivo para experimentar este outro tipo de amor
meio torto que vc poderia ter oferecido desde aquela época. E q eu sei, vc pode
oferecer – e o fez de forma plena para quem buscou e o aceitou da forma como ele
era. Minha irma nao se contentou com um ou outro lado, e a vida toda buscou a
proximidade, cultivou diante das dificuldades a convivencia – mas mais do que
isso – vi meus irmaos do seu segundo casamento, testemunharem uma relaçao de pai
e filho – como a que todos os filhos desejam. Ainda q eu tenha assistido
momentos em q vc era duro com eles, e talvez de novo – o ser humano tenha este
habito de guardar as coisas ruins com mais facilidade que as boas as vezes –
certamente nao testemunhei todas as boas, pois neste momento da sua ausencia, vi
filhos comovidos por perderem seu ponto de apoio, por perderem seu heroi, por
perderem seu conselheiro, por perderem seu professor…e eu, por perder a minha
caixa de possibilidades.
Neste momento é assim que me sinto – eu tinha uma caixa de
possibilidades, bem guardada no fundo do armario – eu nao a abria com
frequencia, e nos ultimos anos ela se encontrava fechada – mas eu sabia q ela
estava lá: em cima do armario, e que a qq momento a abriria e resolveria os
problemas e aproveitaria as possibilidades.
Nao deu tempo – nesta semana voce se foi, deixando seus filhos
sem pai e eu sem as possibilidades, sem as longas conversas que adoraria ter
tido com vc, sem conhecer sua neta, sem saber dos meus progressos, sem trocar
nossas opinioes sobre os filmes, sobre as noticias do país, sem conhecer meu
marido, sem…sem…sem…
Foi uma punhalada muito forte – fiquei com muita raiva no
inicio, como vc ousou sair deste planeta sem resolver as coisas comigo? O que
mais esperavamos pra resolver isso? Eu de um lado achando que já tinha feito
todos os esforços, e vc do outro numa mistura de constrangimento e duvida – nao
deu tempo pai. Agora nos resta os encontros nos sonhos, os encontros no
desdobramento espiritual…
Eu sei intimamente que sou muito mais parecida com vc que
pensamos, nos rompantes de emoçoes, na teimosia, na crença de q sempre tenho o
conselho e a soluçao certa para o problema dos outros. Eu estou envergonhada do
meu lado, por nao ter me esforçado mais, por nao ter me empenhado mais…Jesus já
dizia que se deve perdoar nao 7 mas 7 vezes 70…a qq pessoa, que diria ele dos
nossos pais? E eu, pq me achava melhor q vc no meu papel de vitima que nao
enxergava que dentro de vc sempre houve uma ferida aberta, e q a proximidade
comigo expunha a dor desta ferida, poderia ter ajuda-lo a cura-la e superar
isso, passando para a proxima fase da relaçao – a nossa.
Nao deu tempo…e hoje estou assistindo estarrecida seus filhos
como pessoas doceis, carinhosas, empaticas, preocupada com as pessoas a sua
volta…me surpreendendo por vc ter criado pessoas tao boas, como se vc nao
tivesse credito para ser um bom pai, pq nao o foi comigo. Estou envergonhada e
estou arrependida. Achamos que somos eternos, e que sempre havera um amanha para
resolvermos nossas pendencias – mas, como já dizia a música Pais e Filhos:
eh preciso amar as pessoas como se não houvesse amanha – porque se
voce parar para pensar, na verdade nao há. O amanha que nos espera
agora é o amanha em outra encarnaçao, e eu nao queria ter que esperar por ela.
Peço a Deus que vc tenha feito uma boa passagem, e pelas lindas
palavras e sinceras demonstraçoes que tenho visto desde sua partida, vc deixou
um grande buraco em muitos coraçoes – vc tirou alegria das reunioes, deixou sua
familia manca, deixou muita gente sem ‘guru’…e eu sem minha caixa.
Peço a Deus que tao logo vc esteja plenamente recuperado no
plano espiritual, que possamos nos encontrar, que possamos nos abraçar, e que
possamos conversar, conversar e conversar. Como as conversas que tinhamos qdo eu
ainda frequentava sua casa, 15, 20 anos atras, ouvindo mamonas assassinas, depois
das festas do Rotary Club. Como nos almocos no shopping ibirapuera, qdo vc
gostava de andar comigo ao seu lado pro povo pensar q vc era um ‘coroa q tava
podendo com a gatinha’ rsrsrs – dentre as lembranças que ficam pra mim, ficará
seu sorriso, seu bom humor. Hoje passaram-se 7 dias do seu enterro…aquele em que
enterramos o corpo físico, do dia em q me vi massacrada com eu remorso e meu
tempo perdido, em q foi tao doloroso pisar na sua cidade depois de tantos anos,
ver que ao voltar lá desta vez, diferente do que planejei em meus pensamentos,
vc nao estava lá para falar comigo, do dia em q abracei meus irmaos e minha
madrasta e fui recebida com tanto carinho, e com o apelo de voltar e ficar
próxima. Foi um dia muito triste para todos e muito triste para mim, que tive
que lidar com estas emoçoes nao resolvidas, que tive que encarar o espaço vazio
de tudo que nao vivemos, de tudo que poderia ter sido. Enterrei naquele dia com
vc qq lembrança negativa, e mais do que te perdoar, te pedi perdao.
Espero que nos encontremos em breve, nos meus passeios astrais…temos muitos anos
de conversa pra por em dia…mas temos também a eternidade para faze-lo.
Fique em paz e receba meu abraço aí em cima!
Sua filha.