Eu estava na primeira séria da ‘Tia Rosa’, a primeira vez em q minha mae foi chamada a escola para falar sobre os meus ‘C’s no boletim…no segundo ano, novamente sentada diante do olhar de repreensao da mae e da professora, eu ouvia um sermao sobre o quase ‘favor’ que se fazia ali em me deixar passar de ano com todo aquele monte de ‘C’. Ouvia reclamaçoes de q eu era dispersa, de q era preguiçosa!
Nos anos seguintes nao houve muita melhora, eu nao gostava de desenhar os mapas de geografia, morria de tédio fazendo ‘cópias’ pra aula de história, tinha verdadeiro horror aquele cara q ficava lá na frente vomitando formulas de quimica, fisica e matematica, achava as aulas de gramática infinitamente chatas e me distraia com uma facilidade enorme enquanto tentava fazer a liçao de casa…qdo me
dava conta já estava criando uma historinha entre a caneta vermelha e a azul, dando nome aos personagens, desenhando a saga e analisando se o final seria mesmo feliz, vivia com a cabeça na lua…Enfim, cansei de ouvir estes sermoes, comparaçoes com alunos melhores, mais disciplinados, organizados, dedicados e nao preguiçosos q eu…todo tipo de critica pouco construitivas q uma criança pode querer para fortaceler sua auto-estima: eu era uma aluna ‘mediocre’!
Lembro-me no entanto q apesar de nao ter o talento reconhecido, eu era uma aluna criativa! Eu aprendi (e ensinei meus colegas) a fazer resumos de livros chatos lendo apenas a resenha, o primeiro capitulo, o do meio e o final, desenvolvi uma formula para fazer copias com letras grandes q me permitia pular varios paragrafos sem q a professoa percebesse, conseguia fazer colas minusculas e bem estruturadas…eu tb amava fazer redações, entao escrevia por simplesmente gostar de escrever – tb me saia muito bem nas aulas que conseguiam colocar contexto na lógica apresentada, como aconteceu com um ou outro afortunado professor em biologia e estatistica…
Minha primeira prova de inglês na quinta série veio com a nota mais baixa q me recordo ter tirado – 0,5…isso, MEIO ponto, provavlmente pq acertei um ‘IS’ em algum lugar sem querer. Foi bastante conveniente pq depois disso minha mae me colocou num cursinho de ingles, onde apesar do metodo entediante, consegui sobreviver motivada em traduzir musicas…e ao pegar gosto pelo conhecimento do idioma, fui em frente ao dominio q tenho hj.
Mas, apesar do meu boletim repleto de notas ‘mediocres’, eu desenvolvi lá no ambiente escolar uma das minhas melhores habilidades – o jogo de cintura, foi lá q aprendi a manter minhas amizades no grupo das ‘cdf’ (como as ‘nerds’ eram chamadas no passado) e no grupo do fundão (q seria a galeria descolada de hj em dia ) – onde eu me sentia muito a vontade. Hj eu penso q eu dificilmente seria uma vitima de bullying, pq eu realmente conseguia me ajustar a cada grupo, como um camaleao. Eu era uma aluna muito popular junto a estes grupinhos e embora nenhum professor, pai ou mae fosse dar valor a isso, eu me orgulhava de ter tantos amigos na escola e de ser disputada por turmas q mal se falavam.
Qdo penso no q adquiri na escola, dentro daquele modelo de ensino desestimulante a q fui (e q a grande maioria dos estudantes ainda é submetido nos dias de hj), acredito q a maior parte do aprendizado nao estava nos livros nem nas copias, nos ditados nem das riduculas equaçoes q tanto me fizeram sofrer pra nada…acho q o q melhor adquiri foi a minha capacidade de sobrevivencia diante das adversidades e imposiçoes da instituiçao. Talvez por isso esteja há quase 10 anos hj na empresa onde trabalho!
Enfim, cheguei neste assunto depois de terminar alguns dos modulos do curso de docencia universitaria q estou fazendo online na GV…eu na verdade me encantei com o modulo sobre tipos de inteligencia. Adoraria q alguns destes conceitos estivessem melhores desenvolvidos na minha infancia. Eu teria chance de ser mais valorizada e nao teria feito minha auto-estima depender tanto da minha capacidade de relacionamento.
Anos atras, durante um periodo de terapia, ouvi da minha terapeuta q minha auto-imagem era absolutamente distorcida no q se referia a minha capacidade intelectual. Isso nao era necessariamente baixa auto- estima, pois eu reconhecia q tinha capacidades, mas me julgava uma ‘impostora’, alguem q estava dando certo pq ninguem ainda havia percebido q eu ‘nao era tao boa assim’ – e como seria, se afinal era a filha da vizinha q tirava nota A, se era o menino da primeira fila o preferido da professora com 10 no boletim, se era eu quem tinha q falsificar a assinatura garranchosa da minha mae na prova com nota vermelha pra nao levar bronca e ficar de castigo, etc…
Eu só entao me dei conta – com quase 30 anos de idade – diante da analise daquela pessoa imparcial, de q eu era SIM uma pessoa inteligente, nao apenas inteligente, mas bastante inteligente, capaz de ter conseguido coisas q muitas outras pessoas nao haviam conquistado com as minhas habilidades. Me dei conta finalmente de q as minhas habilidades eram diferentes e nao necessariamente valorizadas pelo modelo arcaico de educaçao q me abraçou…mas q eu nao poderia deixar o rastro daquela avaliaçao inadequada do passado, deitar sobre mim seu carimbo de ‘mediocre’ para o resto da vida. Este carimbo nao ‘combinava’ com os resultados q minha propria vida mostrava ao longo dos anos.
Eu me lembro qdo no ultimo ano da faculdade, fiz um projeto experimental q ganhou a mençao honrosa de melhor projeto do ano – me perguntei pq havia sido diferente…e me dei conta de q naquele momento eu estava ‘trabalhando’ e nao fazendo copias, decorando, cumprindo alguma tarefa sem sentido mas q me era imposta pelo professor. O projeto foi uma extensao do meu dia a dia no trabalho na area de publicidade. Qdo nos deitamos sobre ele sentimos liberdade pra criar e agir, e nao havia copia, ditado, mapas pra desenhar ou equaçoes inúteis pra resolver. Tudo ali fazia sentido e tinha um motivo de ser: havia todo um capitulo maravilhoso e cheio de calculos impecaveis, q se baseava em penetraçao de mercado, estatistica de veiculos de comunicaçao…calculos q adorei preparar, revisar e apresentar…
Qdo fiz minha pós anos depois na USP reforcei minha percepçao já renovada. Minhas opinioes nos debates eram bastante valorizadas, traziam pontos inovadores para as discussoes, eu estava em casa novamente, me sentia como se estivesse participando das minhas reunioes no trabalho…novamente, nao havia limites, apenas caminhos a se explorar, como resultado – nota maxima no projeto final. E qdo finalmente fui fazer meu mestrado, a resultado nao foi diferente. Tive satisfaçao em fazer todos estes projetos academicos, diria no entanto q nao tive qq satisfaçao ou motivaçao em 90% das tarefas que me eram atribuidadas durante o ensino fundamental.
Hj tenho uma visao muito diferente da minha capacidade intelectual, do meu potencial, das minhas habilidades e dos meus limites tb. Me revolto ao me lembrar de como fui podada e julgada na minha infancia…q meu potencial seria provavelmente muito melhor aproveitado hj se eu tivesse, assim como tantos outros alunos, sido melhor compreendida pela pedagogia da epoca. Afinal de contas, a mediocridade estava justamente na limitaçao do modelo de ensino.
O q me deixa feliz é pensar q tendo esta clareza de pensamento validada pelas experiencias q vivi, nao deixarei minha filha ser carimbada de mediocre – nem sentir-se menos capacitada por nao ser a nota mais alta da classe. Nao q eu esteja de forma alguma menosprezando a importancia de estudar e acatar as regras estabelecidas no padrao de ensino vigente, nem tirando o gostinho bom de se tirar um 10! Apenas entendo q estas avaliaçoes nao podem ser as unicas formas de se classificar o potencial dos alunos, sob risco de errarem redondamente: a vida pratica esta cheia de exemplos como o meu, de alunos ‘mediocres’ q se tornaram pessoas bem sucedidas profissionalmente (assim como infelizmente tem exemplos opostos).
Devemos entao, pelo menos, dar um voto de crédito para a ‘mediocridade’…olha q ela surpreenderia muitos professores!

